quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O Universo é um Holograma

Artigo traduzido da revista New Scientist.

Dirigindo pelo interior de Hanover, seria fácil não perceber o experimento GEO600. Do lado de fora não parece muita coisa: No canto de um campo fica um aglomerado de prédios quadrados, de onde duas grandes trincheiras emergem, em um ângulo certo para cada, cobertos com ferro ondulado. Embaixo da cobertura de metal, entretanto, fica um detector que se estende por 600 metros.

Nos últimos sete anos, esta aparelhagem alemã esteve procurando por ondas gravitacionais – ondulações no espaço-tempo arremessadas por objetos astronômicos super-densos como estrelas de nêutron e buracos negros. GEO600 não detectou nenhuma onda gravitacional até agora, mas talvez, sem querer, tenha feito a maior descoberta no campo da física em mais de meio século.

Durante meses, membros da equipe do GEO600 têm coçado suas cabeças pelo inexplicável ruído que está vindo de seu gigante detector. Então, do nada, um pesquisador surgiu com uma explicação. De fato, ele havia previsto o ruído antes mesmo de saberem que o estavam detectando. De acordo com Craig Hogan, físico do laboratório de partículas físicas da Fermilab na Batavia, Illinois, o GEO600 atingiu o fim fundamental do espaço-tempo – o ponto onde o espaço-tempo pára de se comportar como o suave continuum que Einstein descreveu e, ao invés disso, se dissolve como “grãos”, como uma foto de jornal se dissolve em pontos conforme damos zoom. “Parece que o GEO600 está sendo atingido pelas convulsões quantum microscópicas do espaço-tempo”, afirma Hogan.

Se isto não estourou seus miolos, então Hogan, que acabou de ser apontado como diretor do Centro de Partículas Astrofísicas de Fermilab, tem uma revelação ainda maior guardada: “Se o resultado do GEO600 é o que eu suspeito que seja, então todos nós estamos vivendo num grande holograma cósmico.”

A idéia de que vivemos num holograma provavelmente soa absurda, mas é uma extensão natural do nosso melhor entendimento sobre buracos negros, e algo com uma sólida teoria. Tem sido surpreendentemente de grande ajuda para a luta dos físicos com teorias de como o universo funciona no seu nível mais fundamental.

Os hologramas que encontramos nos cartões de crédito estão impressos num plástico bi-dimensional. Quando a luz bate neles, cria-se a aparição de uma imagem 3D. Nos anos 90 o físico Leonard Susskind e o ganhador do prêmio Nobel Gerard ‘t Hooft, sugeriram que o mesmo princípio pode ser aplicado ao universo como um todo. Todas as nossas experiências diárias podem ser uma projeção holográfica de processos físicos que acontencem num distante plano bi-dimensional.

O “princípio holográfico” desafia nossos sentidos. Parece difícil de acreditar que você acordou, escovou seus dentes e está lendo este artigo por causa de algum acontecimento nos confins do Universo. Ninguém sabe o que significaria para nós se realmente vivêssemos num holograma, entretanto, teóricos possuem bons motivos para acreditar que vários aspectos do princípio holográfico são verdadeiros.

A notável idéia de Sussking e Hooft foi motivada pelo notável trabalho de Jacob Bekenstein com buracos negros, da Hebrew University of Jerusalem em Israel e Stephen Hawking na University of Cambridge. Na década de 70, Hawking mostrou que buracos negros não são, de fato, negros mas que vagarosamente emitem radiação, que causa sua evaporação e enfim seu desaparecimento. Isto propõe um quebra-cabeça, porque a radiação emitida não contém nenhuma informação sobre o interior do buraco negro. Quando o buraco negro desaparece, toda sua informação sobre a estrela que implodiu para formar o buraco negro desapareceu, o que contradiz o princípio concreto de que informação não pode ser destruída. Isto é conhecido como o Paradoxo da Informação do Buraco Negro.

O trabalho de Bekenstein trouxe uma importante pista para resolver este paradoxo. Ele descobriu que a entropia de um buraco negro – que é o sinônimo de seu conteúdo informativo – é proporcional à área da superfície de seus eventos horizontais. Esta é a superfície teórica que disfarça o buraco negro e marca o ponto sem volta para matéria ou luz que é atraída. Teóricos têm demonstrado que ondurações quantum microscópicas no horizonte do buraco negro podem conter informações sobre o interior do buraco negro, então não há perda de informação misteriosa perdida quando o buraco negro evapora.

Crucialmente, isto fornece um pensamento físico profundo: A informação 3D sobre uma estrela precursora pode ser completamente contidas no horizonte 2D do subseqüente buraco negro – não como a imagem 3D de um objeto contido num holograma 2D. Sussking e Hooft estenderam o pensamento para o Universo como um todo com a idéia de que o Cosmos possui um horizonte também – o limite do além onde a luz não teve tempo de chegar até nós em 13.7 bilhões de anos-luz de existência do universo. Além disso, estudado por muitos teóricos das cordas, mais notavelmente Juan Maldacena do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, confirmou que a idéia está no caminho certo. Ele mostrou que a física dentro de um universo hipotético com forma de 5 dimensões funciona como a física no limite quadri-dimensional.

De acordo com Hogan, o princípio holográfico muda radicalmente a imagem do tempo-espaço. Físicos teóricos têm acreditado por muito tempo que efeitos quânticos irão causar convulsões violentas no espaço-tempo nas escalas mais ínfimas. Nessa magnificência, o tecido do espaço-tempo e se torna granulado e é formado por pequenas unidades tais como pixels, mas centenas de bilhões de bilhões de vezes menor que um próton. Esta distância é conhecida como Comprimento Plank, meros 10-35 metros. O Comprimento Plank está muito além de se chegar em qualquer experimento possível, então ninguém se atreveu a sonhar que a granulação do espaço-tempo pode ser discernido.

Isto é, até que Hogan percebeu que o princípio holográfico muda tudo. Se o espaço-tempo é um holograma granulado, então você pode pensar no Universo como uma esfera onde sua esfera do lado de fora é composta por quadrados do tamanho de um Planck, cada um contendo um pedacinho de informação. O princípio holográfico diz que a quantidade de informação contida do lado de fora da esfera deve ser equivalente à quantidade de informação contida dentro da esfera, ou, do Universo inteiro.

Desde que o volume do Universo Esférico é muito maior do que do lado de fora da esfera, como isso poderia ser verdade? Hogan percebeu que para ter a mesma quantidade de informação dentro do universo como no seu limite externo, o mundo interno deve ser feito de grãos maiores que um Planck. “Ou, em outras palavras, um universo holográfico é borrado”, afirma Hogan.

Estas são boas notícias para qualquer um que esteja tentando provar a menor unidade do espaço-tempo. “Contrário à todas as expectativas, isto trás a sua estrutura microscópica quântica ao alcance de experiências atuais”, afirma Hogan. Enquanto um Planck é pequeno demais para ser detectado num experimento, a “projeção” holográfica dessa granulação pode ser muito, muito maior, algo em torno de 10-16 metros. “Se você vive dentro de um holograma, você poderia medi-lo através de seu borrão”, diz Hogan.

A primeira vez que Hogan percebeu isso, ele se perguntou se algum experimento poderia detectar o borrão holográfico do tempo-espaço. E é aí que vem o GEO600.

Detectores de ondas gravitacionais como GEO600 são essencialmente fantásticas réguas sensíveis. A idéia é que se uma onda gravitacional passar pelo GEO600, a onda vai alongar o espaço numa ponta e espremê-lo na outra. Para medir isso, a equipe do GEO600 atira um raio de laser em um espelho meio prateado chamado de Separador de Raio. Isto divide a luz do laser em dois raios, que passam pelos braços perpendiculares de 600 metros do medidor e batem de volta. Os raios de luz voltam unidos para o espelho Separador de Raios e criam uma seqüência de interferência de luz e regiões escuras onde as ondas de luz ou se cancelam ou se reforçam. Qualquer mudança na posição dessas regiões mostra que o comprimento relativo dos braços mudou.

“O importante é que tais experimentos são tão sensíveis às mudanças de comprimento das réguas que as mudanças são menores que o diâmetro de um próton”, diz Hogan.

Então seriam eles capazes de detectarem uma projeção holográfica do espaço-tempo granulado? Dos 5 detectores de ondas gravitacionais no mundo, Hogan concluiu que o Anglo-Germânico GEO600 mostrou-se o mais sensível para o que ele havia em mente. Ele previu que se o Separador de Raios é atingido por convulsões quânticas do espaço-tempo, isto irá aparecer em suas medições. “Este agito aleatório causaria ruído no sinal na luz do laser”, afirma Hogan.

Em Junho ele enviou suas previsões para a equipe do GEO600. “Incrivelmente, eu descobri que o experimento estava captando um ruído inesperado,” diz Hogan. O investigador principal do GEO600, Karsten Danzmann do Instituto Max Plank Para Física Gravitacional em Potsdam, Alemanha, e também da Universidade de Hanover, admite que o excesso de ruído, em freqüências entre 300 e 1500 hertz, tem atormentado a equipe por muito tempo. Ele retornou para Hogan e enviou uma amostra do ruído. “Aparenta ser exatamente exatamente como minha previsão”, diz Hogan. “Era como se o Separador de Raios tivesse um agito lateral extra.”

Ninguém – incluindo Hogan – está admitindo que o GEO600 captou evidências de que vivemos em um Universo holográfico. Ainda é muito cedo para dizer. “Isto pode ainda ser uma fonte mundana para o ruído”, admite Hogan.

Detectores de ondas gravitacionais são extremamente sensíveis, então aqueles que os operam têm que trabalhar mais do que a maioria para descartar ruídos. Eles devem levar em consideração nuvens que passam pelo céu, tráfego de automóveis distantes, tremores sismológicos mínimos e muitas, muitas outras formas que poderiam mascarar um sinal legítimo. “O trabalho diário de melhorar a sensibilidade destes experimentos sempre detecta excesso de ruídos”, diz Danzmann. “Nós trabalhamos para identificar a causa do ruído, nos livrarmos dela e desviar da fonte de excesso de ruído.” Até o momento não há candidatos para ser a fonte do ruído que o GEO600 está captando. “A respeito disso eu consideraria a presente situação desagradável, mas não preocupante na verdade.”

Por um tempo, a equipe do GEO600 pensou que o ruído que Hogan estava interessado era causado por flutuações na temperatura sobre o Separador de Raios. Entretanto, a equipe trabalhou em cima disso e concluiu que isto poderia ser apenas um terço do ruído, no máximo.

Danzmann diz que várias atualizações estão planejadas para aperfeiçoar a sensibilidade do GEO600 e eliminar possíveis fontes experimentais de excesso de ruído. “Se o ruído mantém-se aonde está agora depois dessas medições, então nós teremos que pensar novamente,” ele diz.

Se o GEO600 realmente descobriu ruídos holográficos de convulsões quânticas do espaço-tempo, isso apresenta uma faca de dois gumes para pesquisadores de ondas gravitacionais. Por um lado, o ruído irá causar deficiência em suas tentativas de detectar ondas gravitacionais. Por outro lado, representa ainda mais descobertas fundamentais.

Tal situação não seria sem precedentes na física. Grandes detectores construídos para procurar por uma forma hipotética de radioatividade em que prótons decaem nunca encontraram tal coisa. Ao invés, eles descobriram que neutrinos podem mudar de um tipo para outro – algo mais importante porque isso pode mostrar para nós como o universo foi preenchido com matéria e não anti-matéria.

Seria irônico se um instrumento construído para detectar algo vasto como fontes astrofísicas de ondas gravitacionais, tenha inadvertidamente detectado a minúscula granulação do espaço-tempo. “Falando como um físico, eu vejo a descoberta de ruído holográfico muito mais interessante”, diz Hogan.

A despeito do fato de Hogan estar correto, e o ruído holográfico irá mimar a habilidade do GEO600 de encontrar ondas gravitacionais, Danzmann está otimista. “Mesmo que isso limite a sensibilidade do GEO600 em alguma freqüência, seria um preço que nós estaríamos felizes em pagar em retorno da primeira detecção da granulação do espaço-tempo.” Ele diz. “Pode apostar que estaríamos felizes. Seria uma das descobertas mais notáveis em muito tempo.”

Entretanto, Danzmann é cauteloso com a proposta de Hogan e acredita que mais trabalho teórico deve ser feito. “É intrigante,” ele diz. “Mas ainda não é uma teoria, está mais para uma idéia.” Como muitos outros, Danzmann concorda que é muito cedo para fazer conclusões definitivas. “Vamos esperar e ver,” ele diz. “Achamos que é ao menos um ano cedo para ficarmos animados.”

Quanto mais tempo o quebra-cabeça se mantém, entretanto, mais forte é a motivação em construir um instrumento dedicado somente à provar o ruído holográfico. John Cramer da Unversidade de Washington em Seattle concorda. Foi um “acidente de sorte” que a previsão de Hogan pudesse estar conectado com o experimento do GEO600, ele diz. “Me parece que melhores investigações experimentais poderiam ser feitas se fossem focadas especificamente na medição e caracterização do ruído holográfico e no fenômeno relativo.”

Uma possibilidade, de acordo com Hogan, seria de usar um aparelho chamado de Átomo Interferômetro. Ele funciona usando o mesmo princípio dos detectores com lasers, mas usa raios feitos de átomos ultra-frios ao invés de laser. Porque átomos podem comportar-se como ondas com uma variação ondular muito menor do que a luz, interferômetros de átomo são significativamente menores, portanto mais baratos para construir do que um detector de ondas gravitacionais.

Então o que poderia representar se ruído holográfico fosse encontrado? Cramer compara com a descoberta de ruído inesperado pela antera do Laboratório Bell em Nova Jérsei em 1964. Aquele ruído mostrou-se ser a microonda cósmica de fundo, a microonda pós-Big Bang. “Não somente concedeu a Arno Penzias e Robert Wilson um prêmio Nobel, mas confirmou o Big Bang e abriu um novo campo da cosmologia”, diz Cramer.

Hogan é mais específico. “Esqueça o Conforto Quântico (Quantum of Solace), nós podemos ter observado diretamente o Tempo Quântico (Quantum of Time)”, diz Hogan. “É o menor intervalo possível de tempo – O comprimento Plank dividido pela velocidade da luz.”

Mais importante, confirmando o princípio holográfico poderia ser uma grande ajuda para pesquisadores que tentam unir a mecânica quântica com a teoria da gravidade de Einstein. Hoje, a aproximação mais comum para a gravidade quântica é a teoria das cordas, que pesquisadores esperam que possa descrever acontecimentos no universo no nível mais fundamental. Mas não é o único show na cidade. “Tempo-espaço holográfico é usado em certas aproximações para gravidade quântica que possui forte conexão com a teoria das cordas,” diz Cramer. “Consequentemente, algumas teorias sobre gravidade quântica podem se tornar falsas e outras serem reforçadas.”

Hogan concorda que o princípio holográfico está confirmado, ele confirma todas as aproximações com gravidade quântica que não incorpora o princípio holográfico. Em outras palavras, seria uma injeção de ânimo para aqueles que – incluindo algumas derivações da teoria das cordas e algo chamado de teoria do matrix. “E por fim, nós tenhamos talvez nossa primeira indicação de como o espaço-tempo emerge da teoria quântica.” Como descobertas felizes vão, é difícil conseguir algo mais revolucionário que aquilo.

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