
Alguns anos depois, creio que em 2002, numa madrugada de insônia eu liguei a TV e vi Michael Moore novamente, foi no SBT, estava passando seu primeiro filme, Roger & Me, que mostra suas peripécias em Flint mostrando como o fechamento de uma fábrica da GM fez a cidade entrar num estado de pobreza horrível e sua tentativa de entrevista com o então presidente da GM, Roger Smith. O filme acaba e ele não consegue falar com Roger, eu logo penso "Mas que engravatado filho de uma puta.".
O grande boom de Michael no mundo foi em 2003 com seu filme Bowling For Columbine. E aí começaram a investir no seu trabalho e tudo foi traduzido para o português. Devo dizer que eu tenho tudo que foi lançado dele no Brasil, tanto livros quanto DVDs. Tudo sempre me deixou muito impressionado.
Passado tudo isso, era 2007 e eu tive contato com outro cara que me impressionou ainda mais, o britânico Christopher Hitchens - O homem que fala mal até da Madre Teresa de Calcultá -, com seu livro God is not great - how religion poisons everything (Deus não é grande - como a religião envenena tudo). Um gênio com um conhecimento absurdo de literatura e política. Mas o que abriu meus olhos sobre Michael Moore foi outro livro de Hitchens, chamado Love, Poverty & War (Amor, Pobreza & Guerra). Esse livro é uma coletânea de colunas e matérias que Hitchens escreveu em vários jornais e revistas do mundo e tudo é dividido em 3 partes: Amor, onde Hitchens mostra suas críticas literárias. Pobreza: Colunas e matérias sobre sociedade e política. E por fim, Guerra: obviamente, sobre guerra.Uma das colunas que fiz questão de ler logo de cara foi "Unfahrenheit 9/11 - The lies of Michael Moore", que foi publicada em 2004 na revista Slate logo após o lançamento do filme Fahrenheit 9/11. Hitchens desconstrói todo o filme de Moore com maestria, a cada parágrafo eu ficava mais e mais impressionado. Hitchens começa "Para descrever esse filme como desonesto e demagógico seria como promover estes termos ao nível da respeitabilidade. Para descrever esse filme como uma merda seria como arriscar um discurso que nunca iria erguer-se do escremento. Para descrever este filme como um exercício de manipulação de platéia seria muito óbvio. Fahrenheit 9/11 é um exercício sinistro em frivolidade moral, cuidadosamente disfarçado como um exercício de seriedade. É também um espetáculo de covardia política mascarada como uma demonstração de disseminação de bravura". Moore edita tão bem seu filme que convence facilmente quem o assiste (eu fui convencido!) de que TODAS as medidas tomadas pelos Estados Unidos após os ataques de 11 de Setembro foram desastrosas, vergonhosas e erradas. Em outra parte da coluna, Hitchens diz "Um filme que baseia-se numa grande mentira e numa grande falsa representação só pode sustentar-se com uma sucessão de pequenas falsidades, cobertas por acusações ainda mais contraditórias. Presidente Bush é acusado de tirar muitas férias (Quê diabos é isso, aliás? Por acaso ele deveria ser um incessante planejador para futuras guerras agressivas?). Mas a foto dele "relaxando em Camp David" o mostra ao lado de Tony Blair. Eu digo "mostra", porque essa fotografia aparece tão rapidamente no filme que se você espirrar ou piscar, nem irá reconhecer Tony Blair. Um encontro com o primeiro ministro do Reino Unido, ou, ao menos com este primeiro ministro, não são férias."
"O presidente é também mostrado num velho clipe de um noticiário de TV, - prossegue Hitchens - num campo de golfe, dando uma simples resposta para uma pergunta sobre terrorismo e então pede a atenção dos repórteres para sua tacada. Bem, é isso o que você consegue se você entrevista o presidente num campo de golfe. Se Eisenhower fizesse isso, como ele fez muitas vezes, seria mostrado como um ato de tranquilidade. Se Clinton tivesse feito, como ele fez muitas vezes, teria sido mostrado como um charme seu. Mais interessante é o momento em que Bush está paralizado, sentado numa cadeira, numa escola primária na Flórida, aparentando um olhar vago e distraído por longos 7 minutos depois que recebeu a notícia de que um segundo avião havia colidido com o World Trade Center. Muitos são os que dizem que ele deveria ter levantado da cadeira, adotado uma feição de Russel Crowe e ir trabalhar. Eu até desejei isso pessoalmente. Mas se ele tivesse feito isso (como fez com seu "Let's roll" e "dead or alive" um mês depois), metade da comunidade de Michael Moore estaria dizendo que ele declarou uma guerra num impulso impensado e maluco. A outra metade estaria dizendo o que já dizem - que ele sabia que os ataques eram iminentes, e usou isso para cimentar-se ao poder."
Depois de pintar uma imagem dos americanos, Moore começa a pintar uma imagem dos iraquianos. Você deve pensar "Saddam foi um cara ruim, massacrou curdos, financiou terroristas, invadiu o Kuwait..." (isso se você fugiu das aulas de geografia do seu colégio e leu em algum livro enquanto cabulava aula). Mas Moore consegue te fazer pensar o contrário. Hitchens continua, "Somos introduzidos ao Iraque, "uma nação soberana." (Aliás, a "soberania" iraquiana era pesadamente qualificada por sansões internacionais, entretanto questionável, que refletia seu não cumprimento de importantes resoluções da ONU) Neste pacífico reinado, de acordo com os desconcertantes clipes escolhidos por Moore, crianças soltam pipas, pessoas compram comida sorrindo ao pôr-do-sol, e o gentil ritmo da vida não é importunado. E então - BOOM! Dos negros céus noturnos surgem as armas do terror do imperialismo americano. Vendo os clipes que Moore usa, e lembrando deles, consigo reconhecer muitos dos palácios de Saddam e centros militares sendo bombardeados. Mas esses locais não são identificados pelo filme. Aliás, não imagino que a Al Jazeera poderia, num dia ruim, ter transmitido nada tão propagandístico quanto aquilo. Você também seria levado a pensar que o termo "perdas civis" não estava no vocabulário dos iraquianos até março de 2003. Eu só digo que o lado "insurgente" é mostrado como justificadamente revoltado, enquanto os 30 anos de crimes de guerra e repressão do regime Baath não é mencionado sequer uma vez. (De fato, isso não é bem verdade. É rapidamente mencionado, mas somente por causa do péssimo período em que Washington preferiu Saddam ao igualmente não mencionado Aiatolá Khomeini.)"
Além de tudo o que Hitchens aponta em sua coluna, Moore também foi pesadamente processado por muitos soldados feridos em combate que aceitaram participar do filme mas, com a edição e manipulação de imagens, suas palavras foram colocadas fora de contexto desvirtuando suas opiniões sobre a guerra no Iraque. Não estou entrando no mérito de Moore ser contra a guerra e esses soldados, apesar de feridos e mutilados, defenderem a guerra. O que me deixa furioso são os meios que Moore utilizou para tentar sujar a imagem dos EUA sobre algo que ele não concorda. A guerra é infundada, os motivos não existem e eles estão lá por causa do petróleo. Mas, apesar de tudo isso, eles tiraram Saddam Hussein do poder! Algo de bom foi feito.
Depois de ler essa coluna do Hitchens, assisti o documentário "Manufacturing Dissent", que é um documentário canadense sobre Michael Moore. Eles usam as mesmas técnicas de Moore para mostrar como Moore manipula, inventa e desvirtua tudo para conseguir transmitir exatamente o que quer, mesmo que não passe de um devaneio paranóico dele. Sobre o filme Roger & Me, o documentário mostra um ex-amigo de Moore que lembra sobre quando o filme estava sendo feito, disse ele que a premissa do filme era Moore tentando falar com Roger Smith, e ele afirma que Moore conseguiu conversar duas vezes com Roger Smith, e então, certa noite Moore liga para esse amigo e pede para que ele nunca diga para ninguém que aquilo aconteceu de fato. Esse ex-amigo nega o pedido de Moore, dizendo que ele não iria sujar sua reputação por causa de Moore. Depois disso ele recebeu muitos telefonemas ameaçadores de defensores de Moore dizendo que "os fins justificam os meios" e então ele mata: "Não é isso o que a CIA fala? Não é essa a justificativa que nos dão para as guerras, que os fins justificam os meios?".
Bowling For Columbine não foge do script padrão de Moore. Logo no começo do filme Moore mostra um banco onde, segundo ele, quem abre uma conta ganha uma arma de fogo. Na verdade, para Moore conseguir aquele take foi necessário mais de um mês de negociações com uma fabricante de armas que Moore descobriu ter uma revenda junto com um banco. Numa parte, Moore folheia um catálogo de armas e pergunta "vocês tem todas essas armas no cofre?" e uma mulher responde "temos mais de 400 armas em nosso cofre". O que Moore deixou de fora dessa conversa foi o que a mulher falou por completo: "temos mais de 400 armas em nosso cofre, mas ele não fica aqui". Na verdade, todas as armas são guardadas num cofre que fica num depósito da fabricante e não no banco. O que se passa naquele banco é simplesmente Moore recebendo uma arma que ele pagou. E outra coisa: Moore passa a idéia de que é tão fácil conseguir uma arma para matar nos EUA, que até abrindo uma conta você consegue uma. Mas quem vai usar uma arma registrada, onde você passou todos os seus dados para abrir uma conta que vai ser verificada pelo FBI, para matar alguém?
Michael Moore me enganou. Michael Moore enganou muita gente. Michael Moore, inclusive, ajudou Bush ser eleito em 2000. Talvez ele o tenha feito para que pudesse fazer mais documentários, porque sem uma guerra o que ele poderia reclamar? Que uma guerra não foi feita? É possível.
2 comentários:
Adorei a crítica!
Michael Moore não fez nada que se pareça com um documentário porque ele não é capaz de ser neutro e mostrar 2 pontos de vista.
Ele só fez filmes que expõem a opinião própria dele e pelo que vejo, de forma desonesta já que edita tudo a favor das suas idéias.
Pior que isso é realmente decepcionante já que para se criticar um governo como o Bush não era necessário recorrer a essa covardia.
É... caramba...
Também tinha visto no SBT o Roger & Me em uma madrugada de insônia. Tinha gostado muito, assim com de Tiros em Columbine, mas sempre achei 9/11 realmente forçado.
Depois de ter lido o seu texto, simplesmente não o suporto, ele é hipócrita, isso já ficou claro.
Obrigado por abrir meus olhos, agradece também ao Christopher por mim!
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