quarta-feira, 13 de maio de 2009

Que diferença faz?

Sei que não sou grande coisa, mas essa vontade de escrever e contestar sempre me foi latente. A vontade de expor o que há de errado no mundo talvez seja uma ideia romântica demais, mas que pulsa no meu âmago a todo momento. Constantemente me pego tentando me auto-sabotar. Sabe, ao criticar algo você deve estar preparado para receber críticas piores - e muitas vezes ofensivas. É um terreno um tanto solitário e muitas vezes eu me peguei me questionando "que diferença faz?". Sempre me perguntei isso após criticar algo. Não sabia por quê me atormentava tanto, e a força dessa pergunta às vezes é tão forte que acabava por me fazer desistir de criticar algumas coisas.
Mas então encontro alguém que hoje admiro muito. Um homem que também é atormentado pela pergunta e por críticas muito mais severas, que escreveu alguns dos meus livros favoritos. E aqui resolvo transcrever um trecho de um livro dele que gosto muito de ler, principalmente quando resolvo criticar algo, para me lembrar do poder da contestação:

"Um post-scriptum ao que foi dito acima: esteja preparado para os argumentos que você ouvirá (até mesmo dentro de sua cabeça) contra tal conduta. Alguns são muito sedutores. "Que diferença faz?", podem lhe perguntar (ou você pode perguntar a si mesmo). Não há uma boa resposta a essa pergunta. O universo pode muito bem ser Absurdo, e a vida de uma pessoa com certeza é, de todo modo, curta. Contudo, isso não precisa significar que não reservamos o termo "absurdo" para o que é evidentemente irracional ou injustificável. Você não pode esperar mudar a natureza humana ou a Natureza Humana; isso mais uma vez é verdade, embora ligeiramente tautológico, porque a Natureza é um dado. Mas ninguém aceita que, com base nessa premissa, todo comportamento humano, toda conduta humana sejam inalteráveis.
Outros convites à passividade ou à submissão mostram-se mais dissimulados, alguns apelando para a modéstia. Quem é você para julgar? Quem lhe perguntou? De todo modo, será esta a hora propícia para tomar uma atitude? Talvez devesse esperar um momento mais favorável? E - aha! - não haverá perigo de dar munição ao inimigo?
Tenho dois textos favoritos que guardo comigo para exorcizar esse tipo de tentação. Um deles é um ensaio escrito por George Orwell em novembro de 1945, intitulado "Through a Glass, Rosily". Ele escrevia numa época em que o Exército Vermelho havia recém "libertado" grande parte da Europa ocupada pelos nazistas e quando era considerado de muito mau gosto, em alguns círculos, fazer toda e qualquer crítica aos libertadores. Contudo, o correspondente do Tribune em Viena, o semanário socialista para o qual Orwell trabalhava, achara pertinente mencionar os estupro e as pilhagens cometidos pelas forças soviéticas na cidade:

O recente artigo do correspondente do Tribune em Viena provocou uma enxurrada de cartas raivosas que, além de chamá-lo de tolo e mentiroso e fazer outras acusações que se poderiam considerar rotineiras, também traziam seríssima implicação de que ele deveria ter permanecido em silêncio mesmo sabendo que estava falando a verdade.
Onde quer que A ou B se oponham um ao outro, todo aquele que ataca ou critica A é acusado de ajudar e ser cúmplice de B. E em geral é verdade, objetivamente e numa análise de curto prazo, que ele está tornando as coisas mais fáceis para B. Portanto, dizem os que apóiam A, "cale-se e não critique"; ou pelo menos critique "construtivamente", o que na prática significa favoravelmente. E daí é apenas um pequeno passo para argumentar que a supressão e distorção dos fatos conhecidos é a mais alta obrigação de um jornalista.


(...)

Você pode ter certeza - eu lhe garanto - de que encontrará alguma combinação desses argumentos e subterfúgios ao longo da vida. Você pode não ter sempre a energia de combater cada um deles; você pode se dar conta de que deseja economizar e conservar seus recursos para uma causa melhor ou um dia mais propício. Cuidado com essa tendência. Esteja alerta, especialmente, para aquele dia horrível quando, sem querer, você se dá conta de que você mesmo proferiu uma dessas formulaçoes que consolam e corrompem.
(Aqui vai um caso em que, incidentalmente, nem o sagrado nem o profano são de alguma ajuda. Houve vezes em que achei útil dizer "Maldição! Só tenho uma vida e não vou gastar um só momento dela em concessões deprimentes". Mas em seguida vem um pensamento espontâneo: com apenas uma vida, não poderei economizar algum tempo evitando esse combate menor? Imagino que aqueles que esperam pelo além serão igualmente tentados, mas num idioma diferente; muitas são as questões de princípio que parecem triviais sub specie aeternitatis.)"


Christopher Hitchens em Cartas a um jovem contestador, páginas 46, 47, 48, 49 e 50.

Um comentário:

Eu.com.baunilha disse...

Preciso desse livro. Preciso ler todos os livros que estão na minha prateleira, pra poder então ler esse livro.