segunda-feira, 3 de março de 2008

Racismo à brasileira

Sérgio Malbergier

Domingo. Morumbi. São Paulo contra Noroeste.

Após fazer dois gols no time de Bauru, o tricolor cede o empate. Vexame. Torcida irritada. Torcedor troglodita xinga o juiz de todos os nomes. Depois, urra um "macaco!" para defensor negro do Noroeste. Alguns se constrangem, mas ninguém protesta, até porque só tem branco nas cadeiras numeradas. O Brasil é racista.

Negros são 13% da população dos Estados Unidos. Negros e pardos são 50% da população do Brasil. Os EUA são mais racistas que o Brasil, reza a lenda. Mas qual dos dois gigantes americanos está mais perto de eleger seu primeiro presidente negro?

Sim, o país de Lula é mais racista que o país de Bush(e Obama). Pode não ser um racismo institucional, explícito, como já foi nos EUA. Mas somos mesmo um país desinstitucionalizado, nosso racismo, como nossa economia, é informal.

Enquanto EUA e África do Sul colocaram em leis e placas sua discriminação contra os negros, explicitando seu racismo hediondo, no Brasil ele quase sempre foi dissimulado, tanto que chegamos a nos ver como uma 'democracia racial'. Balela. Mais provas?

Salvador, maior metrópole negra fora da África, nunca elegeu prefeito negro. Nova York, de maioria branca, sim (David Dinkins, 1990-93). O Brasil não tem nenhum embaixador negro nos quadros do Itamaraty. Os EUA têm vários. Seus últimos dois chanceleres foram negros: Colin Powell e Condoleezza Rice, dois nomes-chave do governo Bush.

Aqui na editoria de Dinheiro, já buscamos algumas vezes executivos negros nas corporações brasileiras para que relatem sua experiência no mundo ariano em que vivem. A dificuldade de encontrá-los é enorme, e seus relatos são desoladores. Entre nossos banqueiros, então, nem vale à pena procurar. Já um dos bancos mais importantes dos EUA, o Merrill Lynch, foi presidido por seis anos, até 2007, por um afroamericano, Stanley O'Neal.

As razões para a desvantagem dos afrobrasileiros em relação aos afroamericanos são complexas, fincadas nas ineficiências de nossa democracia, de nosso sistema educacional e de nosso travado ambiente de negócios, que estanca a mobilidade social.

Já nos EUA, a eficiência da democracia e, principalmente, o dinamismo econômico criaram oportunidades para a população afrodescendente, que ainda vive muito pior que os brancos e mesmo outras minorias, mas estão bem melhores que os afrobrasileiros. São mais cidadãos.

Sim, há mais miscigenação racial no Brasil, enraizada na pré-história do país. Enquanto a colonização norte-americana foi uma empreitada familiar, a brasileira foi forjada por portugueses solteiros que procriavam com a população original do 'novo' continente e depois com as escravas africanas.

O Brasil foi o maior importador de escravos das Américas, trazendo ao continente, segundo cálculos acadêmicos, sete vezes mais africanos que os EUA. Quando, tardiamente, abolimos a escravidão, em 1888, negros e mestiços eram maioria no país, o que levou nossa elite racista, nos anos 1930, entusiasmada com o racismo 'científico' em voga na Europa, a adotar política de imigração para atrair mão-de-obra branca européia, barrando africanos e chineses e enfraquecendo nossa negritude.

A miscigenação racial continua até hoje (mas nunca entre a elite branca), dando a impressão de democracia racial. Falso.

Agora não sabemos desfazer essa verdadeira herança maldita da escravidão, que mesmo no século 21 permanece escancarada, embora não institucionalizada, como prova o grito impune no Morumbi.

É um dos maiores desafios do Brasil.


Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

2 comentários:

Eu.com.baunilha disse...

A Rice é uma imensurável filha da puta. E outras coisas também não são levadas muito em consideração em textos anti-racistas. Ou são levadas em consideração de maneira errada. É fato que negros são mais racistas que brancos. Transitam eles com camisetas com os dizeres "100% Negro", mas quando eu fiz uma "100% Branco" fui criticado (sem nexo). Nem mesmo a "100% Bege" foi aceita, e pulei para o extremo da sátira, colocando as porcentagens em CMYK de uma cor bege.
Outra coisa é que nos Estados Unidos posso falar seguramente, já tenho amigos negros de longa data (desde as outras vezes em que estive aqui) mas também noto que tem muito negro que é bastante pior que os brancos com todo o lance da separação. Essa putaria de racismo vai existir pra sempre, simplesmente porque tem gente idiota o bastante no mundo para não saber dividir as pessoas pelo caráter (tem filho da puta de tudo que é cor) e sempre dão um jeito de reparar mais nos filhos das putas da cor oposta.
Pra confundir ainda mais a coisa toda, ainda hoje vi uma Chevrolet cheia de adesivos, todos com alguma frase sobre a guerra civil americana e a bandeira dos Estados Confederados do Sul, e uma das frases era "Nunca fora mantido um único escravo sob esta bandeira.", o que é bastante curioso, uma vez que a guerra, pelo que sei, iniciou-se exatamente pelos estados do sul serem contra a abolição da escravidão pelo presidente Lincoln.

Eu.com.baunilha disse...

A Rice é uma imensurável filha da puta. E outras coisas também não são levadas muito em consideração em textos anti-racistas. Ou são levadas em consideração de maneira errada. É fato que negros são mais racistas que brancos. Transitam eles com camisetas com os dizeres "100% Negro", mas quando eu fiz uma "100% Branco" fui criticado (sem nexo). Nem mesmo a "100% Bege" foi aceita, e pulei para o extremo da sátira, colocando as porcentagens em CMYK de uma cor bege.
Outra coisa é que nos Estados Unidos posso falar seguramente, já tenho amigos negros de longa data (desde as outras vezes em que estive aqui) mas também noto que tem muito negro que é bastante pior que os brancos com todo o lance da separação. Essa putaria de racismo vai existir pra sempre, simplesmente porque tem gente idiota o bastante no mundo para não saber dividir as pessoas pelo caráter (tem filho da puta de tudo que é cor) e sempre dão um jeito de reparar mais nos filhos das putas da cor oposta.
Pra confundir ainda mais a coisa toda, ainda hoje vi uma Chevrolet cheia de adesivos, todos com alguma frase sobre a guerra civil americana e a bandeira dos Estados Confederados do Sul, e uma das frases era "Nunca fora mantido um único escravo sob esta bandeira.", o que é bastante curioso, uma vez que a guerra, pelo que sei, iniciou-se exatamente pelos estados do sul serem contra a abolição da escravidão pelo presidente Lincoln.