sexta-feira, 16 de novembro de 2007

1406

A TV a cabo tornou-se quase um item obrigatório na casa do brasileiro, principalmente na casa da classe média. A maior empresa de TV por assinatura, NET Brasil, controla 82% do mercado de TV por assinatura do Brasil. Isso representa 3,7 milhões de residências em todo o país. São mais de 9 milhões de pessoas das classes A e B utilizando seus serviços.
Lembro-me, em 1993, quando meu pai assinou a GloboSAT, que foi o sistema inicial que depois tornou-se o grupo NET - que hoje engloba 21 operadoras de TV a cabo no Brasil - e o grande argumento inicial deles era que não havia comerciais. Era uma novidade ver um filme inteiro ininterruptamente, com som original e legendas em português. Programas internacionais, desenhos, canais estrangeiros. Mas logo uma praga surgiu no meio do oásis de canais livres de propagandas indesejáveis que interrompiam seu filme favorito: Polishop. Quem nunca ouviu a frase "Usted a elegir ahora", ou "ligue agora para 011 1406"? Didi 7, Vivarina, Guinsu, Ab-Shaper, Autoshine, todos esses produtos começaram a emergir nas madrugadas obscuras em alguns canais da TV a cabo. Programas de auditório suspeitos onde algum aparelho fantástico era vendido por algum americano de cabelo cortado e uma dublagem de fala mansa te convencia, tarde da noite, que você precisava disso. Quantas madrugadas eu passei assistindo horas de evidências pra lá de falsas sobre como Didi 7 limpa tudo, até água suja. Raios! Depois de um tempo eu me convencia e me perguntava por quê diabos ninguém pensou ainda em comprar um tubo gigante de Didi 7 e espirrar tudo no rio tietê? Eram madrugadas gloriosas de filosofia inútil e questionamentos científicos sofisticados demais para minha idade e para a época. Era um mundo mágico onde pessoas se viam em situações como 'como tirar a mancha negra depois que o capô do meu carro ficou em chamas?' e de trás da cortina surgia Ted, ou Buck, ou Chuck, ou Bill, com uma cêra automotiva que limpava tudo, tirava riscos e - pasme! - manchas de queimado depois que o capô do seu carro ficou em chamas. Quem nunca passou pela situação de atravessar uma tempestade de areia com intensidade de um jato de areia industrial com seu Porsche 911? A cêra fazia a lataria ficar como nova. E todos esses comerciais que reinavam nas madrugadas não eram um problema, a audiência era baixíssima e não eram tantos canais como hoje.
Mas hoje somos muitos e os canais evoluíram, a audiência subiu significativamente e a Polishop, hoje, é um problema. Uma pesquisa foi feita e concluíram que, semanalmente, o assinante de TV a cabo é obrigado a assistir quase 70h de comerciais. Quem nunca ligou a TV às 10 da manhã e teve que aguentar o "Infomercial" imposto nos canais FOX, Discovery Channel, People + Arts, A&E, History Channel? Na madrugada, nos canais AXN, National Geographic, Universal Channel? Não só isso, mas a própria GloboSAT entrou nesse jogo comercial criando o canal Shoptime, de vendas 24h. Somos constantemente bombardeados por propagandas da Polishop que sempre passam nos intervalos entre um programa e outro em praticamente todos os canais da TV a cabo. O que era um programa pitoresco perdido na madrugada de um ou outro canal no passado, tornou-se uma dor de cabeça hoje. As facas Guinsu do passado tornaram-se o George Foreman's Grill de hoje, e não vemos mais Bill, ou Ted, ou Buck, ou Chuck, ou Ned surgindo do fundo palco com seu produto miraculoso. Hoje temos uma produção nacional que nos bombardeia com produtos que não precisamos para momentos que nunca vivemos. Não só isso, mas hoje há comerciais entre os programas de diversos canais. Quando liguei a TV a cabo pela primeira vez e passei um dia sem ver um comercial de cerveja ou havaianas, não imaginava que anos depois eu seria bombardeado por eles em canais onde me prometeram nunca ter que aguentar a Zeca-Feira ou recusar imitações das Havaianas.
É a lei da selva capitalista. Pagamos para não ver comerciais, mas os comerciais pagam mais ainda para serem vistos por aqueles que pagam para não ver. Fico me perguntando se eu posso descontar essas 70h semanais de comerciais da minha mensalidade.

Um comentário:

Eu.com.baunilha disse...

Eu sempre pensei nisso também. Eles devem rir da nossa cara. Estamos pagando para assistir aos produtos deles. É como comprar camisetas caríssimas da Ellus ou Diesel, com estampas escritas "Ellus" ou "Diesel".

"Quem nunca passou pela situação de atravessar uma tempestade de areia com intensidade de um jato de areia industrial com seu Porsche 911? A cêra fazia a lataria ficar como nova."

-Segura esse brilho, John!